Crítica – Corra! (2017)


Um filme de terror pode ser um manifesto contra o racismo estrutural?


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Uma casa grande e praticamente no meio do nada. Um visitante que não conhece a região. Acontecimentos atípicos que causam estranhamento. Um grupo de pessoas com um plano sombrio. Esses são elementos característicos que compõem muitos thrillers: do clássico Psicose (1960) aos não tão memoráveis Quando um Estranho Chama (2006) e Temos Vagas (2007). O filme do diretor e roteirista estreante Jordan Peele, no entanto, pega todos os elementos que se tornaram óbvios com o tempo e adiciona certa originalidade. É essa inventividade que consegue destacar Corra! como um dos melhores filmes de 2017.

Na história, o fotógrafo negro Chris Washington, interpretado de forma magistral por Daniel Kaluuya (Skins, Black Mirror), vai conhecer a família branca de sua namorada Rose Armitage, papel de Allison Williams (Girls). A questão racial, desde o início da projeção, já se torna um fator importante na trama. No diálogo inicial o personagem principal já demostra preocupação em ser o primeiro namorado negro de uma garota de origem caucasiana. Ao conhecer os parentes da sua namorada, Chris nota com um pouco de estranheza a cordialidade excessiva, que logo atribui às tentativas de demostrar que, apesar de sua cor, ele é bem-vindo. Contudo, com o passar do tempo, os acontecimentos na casa dos Armitage vão se tornando cada vez mais estranhos.

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A cordialidade excessiva dos Armitage causa estranheza

Foi com esse enredo (in)comum que Jordan fez sua estreia como diretor. Até então ele tinha traçado sua carreira como um comediante afro-americano, tendo também se aventurado como roteirista no filme de comédia Keanu (2016). Em Corra! podemos dizer que Jordan se utilizou tanto de sua experiência de um homem negro em um país com conflitos raciais tão intensos como os EUA, como também de seu trabalho de comediante para apresentar um thriller com traços autênticos tão fortes. É inegável que as situações constrangedoras envolvendo discriminação racial vivenciadas pelo protagonista no filme, apesar de serem comuns na sociedade americana (e brasileira!), agregam para o desconforto do espectador. Frases como “sou quase parte da família!” falada pela empregada negra dos Armitage, interpretada por Betty Gabriel (Uma Noite de Crime 3), não só trazem a perspectiva racista como também criam o clima de suspense. Já a experiência como comediante do diretor faz com que ele use os momentos certos para alívios cômicos sensacionais.

Não se pode deixar de falar também do trabalho de produção deste filme. Corra! é mais um projeto da Blumhouse Productions, produtora conhecida por filmes como Atividade Paranormal (2009) e Fragmentado (2016). A característica em comum destes filmes é que eles são realizados com um orçamento baixíssimo (Atividade Paranormal foi produzido com estimados 15 mil dólares) e que, através da propaganda destinada ao público certo, rendem lucros altíssimos (a bilheteria foi de U$$193 milhões ao redor do mundo no terror found footage[1]). Em Corra! a fórmula se repete. O filme foi produzido com apenas 5 milhões de dólares, entrega uma qualidade altíssima e satisfaz. O resultado foi uma bilheteria de U$$ 254,6 milhões.

A qualidade encontrada no roteiro e na direção também está demostrada nas atuações. O rosto de Daniel Kaluuya estampado nas artes de divulgação foram um prenúncio do que estava por vir. O ator conseguiu atentar para os detalhes, como os cacoetes do personagem, assim como conseguiu comandar cenas em que eram necessárias passagens rápidas entre as expressões de conforto, aflição e terror. O resto do elenco também não decepciona. É importante mencionar a participação incrível de Lil Hel Howery (Friends of the People, Mad Families) na função de alívio cômico.

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Daniel Kaluuya tem uma atuação excepcional no filme

                O filme também traz elementos interessantes em sua trilha sonora. A música tema Sikiliza Kwa Wahenga foi pensada como um aviso de “cuidado” para o personagem principal. A canção que inicia e termina o filme traz uma mensagem em Suaíli, língua oficial do Quênia, Tanzânia e Uganda. A tradução do título é “ouça seus ancestrais”, já nos versos escutamos frases como “corra! Algo ruim está por vir!”.

Corra! torna-se, portanto, um filme de terror combinado com uma crítica social. A análise feita por Jordan Peele em um país que tem uma taxa alta de violência contra negros e um déficit de representatividade marcado de forma certeira pelo movimento #OscarSoWhite (“Oscar tão branco”, em tradução livre) há alguns anos, chega aos cinemas como se fosse um manifesto. Contudo, o filme respeita o gênero a que se propôs. Em meio a tantos dramas com tema racial, Corra! demostra que esse tipo de assunto pode ser abordado de forma contundente não importa qual seja a proposta do filme. Nesse sentido, a projeção se junta maravilhosamente à lista de filmes de terror que abordam questões sociais na qual já fazem parte Babadook (2014) e A Bruxa (2015).

[1] Found footage é um tipo de filme ficcional que utiliza-se de uma filmagem amadora para apresentar uma história como se ela tivesse acontecido de verdade.

Nota:

Nota 7.0

Excelente


Título Original: Get Out!
Data de Lançamento: 23 de janeiro de 2017
Estreia no Brasil: 18 de maio de 2017
Direção: Jordan Peele
Duração: 1h e 44min
Elenco: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Bradley Whitford
Gêneros: Thriller, terror
País: EUA

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