Crítica – Pantera Negra (2018)


Sobre como um blockbuster ajuda a desenvolver consciência social


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Em 2018, a Marvel Studios completa 10 anos com o Universo Cinematográfico Marvel. Começou com Homem de Ferro (2008) e o sucesso foi tanto que, mesmo depois de 17 filmes, ainda há folego para mais. O estúdio, comandado pelo produtor Kevin Feige, conseguiu ir além da ideia de trilogias e franquias. O universo compartilhado é muito mais que isso. São várias histórias entrelaçadas e, independente de preferências pessoais, deve-se reconhecer o incrível trabalho de manter a coerência e coesão enquanto segura o interesse do público por tantos anos. Diversos estúdios tentaram essa estratégia e falharam em um ou mais aspectos: a Universal quis emplacar o universo dos monstros, a Sony está tentando com o Aranhaverso, a Fox tem a confusa timeline dos X-Men e a Warner continua procurando acertar o Universo da DC e agora trabalha também com o Mundo Bruxo.

Para a Marvel, o filme-evento do ano será Vingadores: Guerra Infinita, mas antes disso eles planejaram o lançamento do longa de mais um herói pouco conhecido pelo grande público que teve sua estreia em Capitão América: Guerra Civil (2016), o Pantera Negra. Culturalmente, a importância desse filme é indiscutível. Assim como Mulher-Maravilha (2017) fomentou a discussão sobre a importância da representatividade da mulher no cinema, mas, principalmente, no blockbuster de grande alcance, Pantera Negra dá voz ao público negro.

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Num momento em que Hollywood debate sobre diversidade e inclusão, esse filme da Marvel traz o primeiro herói protagonista negro além do seu diretor, Ryan Coogler (Fruitvale Station: A Última Parada, Creed), e grande parte do elenco e da equipe de produção. O resultado disso é uma obra que, não só não esconde nem foge das questões sociais, mas exalta suas raízes. Além disso, ainda alfineta o presidente Trump com um discurso sobre como a construção de barreiras pode ser danoso para o desenvolvimento de uma sociedade justa.

Pantera Negra é um filme de origem não tradicional. O personagem já foi apresentado em Guerra Civil, então a introdução é resolvida muito rapidamente. Ainda assim, o foco do longa não é o herói, mas a pessoa por trás da máscara, é o desenvolvimento do personagem. Sua transição de príncipe para rei. Mas não é um filme lento. Com a morte do Rei T’Chaka, interpretado por John Kani (Capitão América: Guerra Civil, Coriolano), T’Challa, o Pantera Negra de Chadwick Boseman (Deuses do Egito, A Grande Escolha), é o herdeiro natural do reino de Wakanda. O país fica no continente africano e é tecnologicamente muito mais desenvolvido que o resto do mundo por sua abundante fonte de vibranium, um metal ficcional. Por isso, o país permanece escondido, até então, do resto do planeta. Eles acreditam que, se descobertos, perderiam sua identidade e nada de bom viria disso. Mesmo que, ao se esconder, estivessem negligenciando ajudar o restante da população negra do mundo que sofre pela discriminação. O reinado de T’Challa, contudo, é questionado por uma das tribos que tem uma visão de futuro diferente. E, posteriormente, todo o reino de Wakanda sofre com uma ameaça externa.

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Com essa trama, não dá para não traçar paralelos com O Rei Leão (1994). Desde a origem africana até as questões familiares e de regime político monárquico, tudo se assemelha. Há ainda momentos icônicos de enquadramento e o uso de certas cores que prestam homenagem direta à animação da Disney.

O filme, porém, tem medo de discutir profundamente as questões políticas, relegando o tema a comentários pontuais e deixando que o espectador pense e interprete à sua maneira. E não dá para dizer que filme de herói não se presta a isto, porque o gênero se diversificou bastante nos últimos anos e tal discussão já foi levantada em Capitão América 2: O Soldade Invernal (2014) e até mesmo em Guerra Civil. Isso não é, por si, um ponto negativo até porque tais comentários estão presentes ao longo de toda a obra, só não são discutidos com profundidade de argumentos.

Com um roteiro tão focado nos personagens ao invés da ação, o elenco não poderia ser nada menos que excelente. Todas as escolhas foram acertadas e os atores se entregaram aos papéis. A grande maioria são rostos conhecidos da TV ou mesmo do cinema, mas o destaque vai para as personagens femininas encabeçadas por Lupita Nyong’o (12 Anos de Escravidão, Star Wars – O Despertar da Força), Danai Gurira (The Walking Dead) e Angela Bassett (Malcolm X, American Horror Story). Michael B. Jordan (Quarteto Fantástico, Creed) e Andy Serkis (trilogia O Senhor dos Anéis, trilogia Planeta dos Macacos) também estão muito bem nos papéis dos vilões que estão entre os mais bem construídos em todo Universo Cinematográfico Marvel. As motivações são plausíveis e os objetivos, claros e críveis. Dá para sentir empatia por eles.

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Nos aspectos técnicos, só a montagem e os efeitos visuais que falham. O CGI (computer generated images – imagens geradas por computador) peca pelo excesso e por parecer mal finalizado em alguns momentos, principalmente nas cenas de luta noturnas com malabarismos exagerados. O 3D não vale a pena, não traz muita profundidade e só escurece o filme prejudicando ainda mais as cenas noturnas com CGI. Já as cenas de luta no corpo-a-corpo na água são empolgantes e bonitas de ver. Toda a sequência do cassino até a perseguição de carro também prende bastante a atenção do espectador. A edição peca porque compromete o ritmo do filme e tira a fluidez, tornado as transições de cena algo mecânico e desconexo no contexto geral.

O design de produção soube aproveitar o tema do filme e a discussão social e encaixou de forma natural elementos africanos tribais nas artes conceituais da obra. Wakanda é colorida e diversa e a arquitetura mistura muito bem elementos orgânicos com tecnológicos. O figurino mostra as particularidades de cada tribo. A ótima curadoria sonora de Kendrick Lamar seguiu os mesmos passos e fez uso de elementos culturais nas composições, no entanto falhou em homogeneizar com o difícil trabalho de juntar elementos orquestrais e tribais do responsável pela também ótima trilha sonora, Ludwig Göransson (Creed, Tudo e Todas as Coisas). Separados, os trabalhos dos dois artistas compõem as melhores trilhas já feitas para a Marvel. Juntos, infelizmente não combinam, não há comunicação entre eles.

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Pantera Negra é o filme que mais foge da famosa Fórmula Marvel até agora. Não há excesso de piadas e quando elas aparecem são de forma natural, dentro do contexto, sem atrapalhar o andamento da obra. Aqui, as piadas não servem como alívio autodepreciativo para momentos potencialmente ridículos. O brega dos quadrinhos é abraçado como em Guardiões da Galáxia, mas de forma mais madura.

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Este é o filme mais importante da Marvel nas questões sociais e apresenta muito bem Wakanda e sua cultura. O roteiro não é dos mais empolgantes e entrega o básico, assim como os efeitos visuais também poderiam ser mais bem trabalhados. Porém, o elenco, o design de produção e a trilha sonora compensam para um resultado bastante positivo.

Nota:

Nota 5.0 (Bom)

Bom


Título Original: Black Panther
Data de Lançamento: 16 de fevereiro de 2018
Estreia no Brasil: 15 de fevereiro de 2018
Direção: Ryan Coogler
Duração: 134 minutos
Elenco: Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, John Kani, Lupita Nyong’o, Danai Gurira, Angela Bassett, Martin Freeman, Daniel Kaluuya, Letitia Wright, Forest Whitaker, Andy Serkis, Winston Duke
Gêneros: Ação, Aventura
País: EUA


 

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